Última modificación: 2019-11-22
Resumen
O corpo como passagem para uma experiência limite com a linguagem plástica deu a tônica da obra de Lygia Clark (1920-1988). Distante do objeto arte enquanto instância a ser mostrada no espaço expositivo, a artista incorporou em seu trabalho o gesto e as proposições relacionais como modus operandi da sua poética. Desse modo, a noção de gestualidade é importante para entender o trabalho clarkiano que, na mesma medida em que se afasta do objeto-obra, se aproxima do corpo da escrita em diários, cartas e textos poéticos, como “Breviário sobre o corpo”, e o livro Meu doce rio, resultado das fantasias gestadas enquanto Clark era analisada por Fedida.
Assim, é em trânsito entre a corporeidade da escrita, como condutora de um movimento, e o gesto-desejo, que encontra sua forma em linhas plásticas e relacionais, que pretendo trazer nesta exposição o conceito de “gestualidade” para discutir o trabalho de Lygia Clark. Afinal, em certa medida, as fantasias elaboradas nos textos clarkianos dão subsídio para se compreender sua obra, configurando-se importantes vestígios criativos para suas proposições plásticas.
Nesse intento, convoco os escritos clarkianos para buscar neles uma possível genealogia de sua obra e também os rastros que ela lança como questões estéticas importantes para o devir. Ou seja, interrogo de que modo a aproximação entre esses textos e as obras plásticas e relacionais permite empreender analogias que deem conta de ampliar o tecido-pele dos corpos-obra clarkianos: entre a escrita navalhada a sangue no papel e o gesto transcrito e sugerido como sopro e não-objeto no espaço.